E se a Cinderella ou a Chapeuzinho fossem as vilãs da história?
Creio já ter usado inúmeras vezes exemplos de contos de fadas. Por serem fáceis de serem assimilados.
A versão da história da Cinderella, Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho e tantas outras, em que em geral se conhece muito bem. Se realmente tivessem acontecido, quem nos garante que foi exatamente como é conhecida no senso comum?
Ao mesmo tempo que o exemplo é cauteloso, é necessário tomar cuidado. É possível que a versão mais conhecida seja uma parcialmente ou totalmente mentirosa, do mesmo modo que é possível que seja totalmente verdadeira.
Imagine que por qualquer motivo você brigue com alguém. Provavelmente desse ocorrido serão contadas várias versões diferentes. Pelo menos duas. A sua e da outra pessoa, contudo, várias outras serão criadas, algumas por pessoas que nada presenciaram.
O grande dilema está em descobrir em qual versão é a verdadeira. Possivelmente nenhuma por completo. A capacidade do ser humano de distorcer fatos e se enganar é absurda.
Seja no exemplo da briga ou na alegoria das versões dos contos de fadas, cada um conta o que quiser, e os ouvintes acreditam no que querem e/ou é mais conveniente. São as chamadas "narrativas".
Somos conduzidos pelas mais diversas narrativas e a tendência é selecionarmos quais queremos acreditar. Seja por simpatia ou aversão. O que nos agrada determinamos/acreditamos ser verdadeiro e mentira o que não aceitamos. Dizem que a verdade dói, então a transformamos em mentira.
A sociedade alterou o significado de fakenews, sendo tudo aquilo que se apresenta contra aquilo que se quer acreditar.
Na alegoria, ouvimos uma versão de alguém teoricamente simpático a Chapeuzinho Vermelho e a vovó. Talvez a versão contada seja diferente daquela que seria contada pelas próprias. Possivelmente costumamos ouvir a versão do caçador.
Todos aguardam quando será divulgada a versão do lobo.
Por isso mesmo é que se deve tomar muito cuidado com ela. Da mesma forma que as versões da madrasta e das irmãs no caso da Cinderela.
Pois a suposta versão trará elementos novos, sendo verdadeiros ou não. E esse é o problema. As pessoas darão o crédito pelo que desejam, e não pelos argumentos lógicos.
A ótica pessoal será colocada acima das evidências.
Hoje está em moda revisões históricas. Quando a nova narrativa proposta por essa revisão está de acordo com as vontades e convicções é defendida como uma verdade. No entanto, se ela vai em desencontro, são colocadas como mentiras. Não é levado em consideração as provas e argumentos lógicos, apenas se conforta ou não as "verdades" do indivíduo.
É errôneo a crença inquestionável como também a rejeição as chamadas revisões históricas. Seja para um lado ou para outro.
É possível que a versão que conhecemos esteja totalmente errada, do mesmo modo que é possível estar totalmente certa. Parcialmente errada e parcialmente certa.
Talvez nenhuma versão seja totalmente verdadeira, embora uma tenha maior percentual de veracidade e coerência que outras. Há uma guerra ideológica, não uma discussão de argumentos.
São tantas versões, mentiras e distorções, que realmente fica difícil entender qual a verdade de fato.
O mundo está cheio de informações geralmente incorretas.
Pessoas que possuem preguiça de ler uma mensagem com cinco linhas no Whats Zapp, mas parecem entendidos e terem as respostas para todos os enigmas do mundo. Como possuem conhecimento?
É muito fácil acreditar, comprar uma ideia e não questionar. É seguro pensar uniforme com as pessoas ao seu redor. As pessoas que se libertam dos coletivismos e buscam o conhecimento de maneira independente estão acima dos demais e geralmente desenvolvem capacidade de perspectivas além dos clichês e lugares comuns.
Para entender uma situação, o primeiro passo é procurar conhecer todas as versões e essa simples atitude não costuma ser realizada pela maioria.
As pessoas pregam que os fatos sejam investigados, que todos os lados sejam ouvidos quando lhes convém, quando geralmente são prejudicadas em alguma situação. Entretanto, em situações que não lhes interessa, há "preguiça " em se informar.
No domingo, 20 de setembro de 2020, o colunista e ex. jogador de futebol Tostão, escreveu em sua coluna para o jornal Folha de São Paulo, a respeito de pessoas "negacionistas", sendo aquelas que apagam da mente o que não querem, não lhes agrada. Criam outra realidade. Ou seja, negacionistas estão cada vez em maior quantidade e intensidade. É o único "movimento" que (quase) todos compartilham. O colunista da Folha ainda completa que "somos quase todos tendenciosos, uns mais que os outros". Eu diria que somos todos tendenciosos. Alguns conseguem alguma ponderação. A maior parte não.
O negacionismo mencionado pelo autor citado é frequente nas narrativas históricas, de quem conta e quem ouve. Por isso não basta buscar conhecimentos, é preciso lutar contra o próprio "tendencionismo" que nos acompanha constantemente.
Não é simples ter as soluções e tão pouco sou um guri para isso. Simplesmente penso que é preciso buscar informações nas mais diversas fontes, não acreditando/comprando a primeira versão que fica sabendo, ou a que mais lhe convém.
Se o lobo é mesmo o vilão, ou e sua versão será esclarecedora ou um engodo, é difícil saber com análises imediatistas. Outra característica que tende a manipular é a forma com que a versão é apresentada. Ou seja, em geral a forma é muito mais importante que o conteúdo. Deveria ser o oposto.
Por isso a versão contada em filme ganha maior relevância que a em livro. Se houverem várias versões em filmes, a que tem uma mídia mais influente e/ou um ator charmoso como protagonista e a atriz sexy simbol como destaque, tendem a impactar mais. Somando -se a toda publicidade investida.
A produção de Hollywood será mais valorizada que uma versão de um estúdio alternativo, como o sul coreano ou Bollywold. Mesmo que esses tenham - supostamente- maior compromisso com a verdade. Um crítico de cinema irá expor a versão (e visão) alternativa dos fatos, apenas quando lhe for conveniente.
Por isso é preciso não apenas buscar diversas fontes e versões, mas também boa vontade em compreender, caso contrário toda a informação será convertida em um algoritmo que satisfaça suas convicções.
Não existe fórmula perfeita de como agir. Tão pouco sou o senhor da verdade. Apenas acredito que é muito fácil acreditar no produto que possui a embalagem mais agradável.
Não importa se o lobo é ou não ou vilão, apenas como nos convém rotulá-lo.
Por um mundo de mais averiguações e menos deduções.
Sobre o Autor:

Formado em Ciências Contábeis. 29 anos, Resido Ribeirão Preto. Tenho um perfil de textos no Instagram: @textosinceros. Segue lá.




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